A sobrevivência de qualquer comunidade depende da sua adaptação ao território que ocupa, da sua capacidade em transformar esse território e ser, simultaneamente, transformado por ele. Essa simbiose define a cultura de um lugar e de uma comunidade e o processo não foi diferente na ilha do Corvo. Se por um lado, a geomorfologia da ilha ditou uma divisão quase natural entre as terras de cima e as terras de baixo, separadas por um morro que se ergue imponente a norte da fajã lávica onde o povoado se implementou, por outro, a procura por abrigo, alimento e agasalho, ditou a organização e uso do solo.
Na fajã lávica, única zona da ilha com acesso direto ao mar, implementou-se a Vila do Corvo a este, onde os terrenos são mais rochosos e, como tal, menos férteis; aqui foi crescendo um aglomerado de casas e uma rede de ruas e canadas cuja disposição e configuração não encontram paralelo em qualquer outra ilha dos Açores. A oeste, constituíram-se as terras de baixo, parcelas de terrenos delimitados por muros de pedra seca, com áreas entre os 70 e os 740m2 destinadas ao cultivo dos cereais, hortaliças e legumes, que contribuíam para a subsistência das famílias e garantiam a autossuficiência da ilha.
Nas terras de cima a paisagem é predominantemente de pasto, que contrasta com o negro dos muros de pedra seca que delimitam a propriedade dos terrenos, e abrigam do vento o gado ou os cultivos que existiram um dia. Encontramos aqui terrenos com áreas muito superiores aos das terras de baixo, atingindo em alguns casos os 11.000m2, mas também é possível encontrar pequenas parcelas, com áreas a rondar os 100m2. Seriam estes os terrenos onde foi explorada a junça (Cyperus esculentus), que cumpriu uma função fundamental para a subsistência da Vila, em tempos mais remotos, quando o trigo era escasso.
É também aqui nas terras de cima, especificamente na vertente oriental da ilha, mais abrigada dos ventos e onde o declive é menor que encontramos as hortas de fruto e as zonas de vegetação mais alta e densa. No total a área de mato ronda os 19 hectares. Há grande abundância de laranjeiras, mas também se encontram araçaleiros, figueiras, macieiras, entre outras mais exóticas e menos usuais; o inhame é também cultivado nesta zona, tubérculo que terá sido introduzido pouco depois do povoamento e que é ainda muito apreciado e cultivado pela comunidade.
O baldio, por sua vez, ocupa um terço da ilha, cobrindo uma área aproximada de 6km2 (600 hectares), junto às terras de cima. É ainda hoje um resquício do comunitarismo que pautou a vida dos corvinos a maior parte da sua existência, circundando o Caldeirão e estendendo-se a partir dele, sem muros de pedra seca e sem caminhos assinalados. Aqui todo o gado, que na ilha é maioritariamente bovino, pode pastar livre todo o ano, o mesmo acontecia quando o gado predominante era o ovino.
Vemos então uma organização do território que permitiu responder às necessidades de sobrevivência da comunidade – alimento, abrigo e agasalho – e onde se desenharam os caminhos de acesso que permitiam interligar as diferentes áreas e que são o objeto deste projeto.
Relatório geomorfológico: Download aqui.